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APREENSÃO DE COMUNICAÇÃO

Apreensão de Comunicação ou ansiedade de comunicação pode ser considerada “o distúrbio oculto de comunicação”, porque frequentemente não é detectado, reconhecido, ou estudado. Apreensão de comunicação é definida como ansiedade ou medo sofridos por um indivíduo numa situação de comunicação, com uma outra pessoa ou com um grupo, que afeta a comunicação oral, os relacionamentos sociais e a auto-estima. (Horwitz, 2001).

O tratamento da apreensão de comunicação é de grande interesse para o fonoaudiólogo porque muitos pacientes com distúrbios de comunicação apresentam ansiedade em relação à comunicação que pode ou não estar relacionada com os problemas apresentados. Alguém pode argumentar dizendo que fonoaudiólogos não são psicólogos e não podem incluir o tratamento da ansiedade em seus planejamentos terapêuticos. Entretanto, devemos lembrar que fonoaudiólogos não tratam de distúrbios da comunicação, mas sim de pessoas portadoras de distúrbios da comunicação. Esta abordagem visa considerar as atitudes, as crenças e os sentimentos de uma pessoa na avaliação e no tratamento de todos os pacientes. Além disso, o DSM-IV (Diagnosis and Statistical Manual of Mental Disorders), inclui vários distúrbios de comunicação, como por exemplo, gagueira, mutismo eletivo, déficits de atenção e disfonia, que, indubitavelmente são áreas de domínio da Fonoaudiologia. Mas ainda mais significativo, é o fato dos fonoaudiólogos estarem sempre, direta ou indiretamente, lidando com aspectos psicológicos, na medida em que, melhorando a comunicação, agem sobre a auto-estima do paciente. Ao trabalhar as habilidades de comunicação, é inevitável o confronto com as ansiedades oriundas do distúrbio apresentado.

Infelizmente, muitos terapeutas não compreendem ou não lidam adequadamente com os efeitos fisiológicos e psicológicos de seus pacientes. Talvez porque não aceitem ou desconheçam os antigos (mas agora tão em voga) conceitos da chamada Conexão Psicofísica ou Conexão Corpo-Mente e o papel do autocontrole no restabelecimento do equilíbrio físico e mental. Esta omissão pode ser atribuída, em parte, à falta de conhecimento nos avanços da psicofisiologia, ou ao fato de que o atendimento a um paciente deve ser multidisciplinar.

Sem dúvida, o ideal seria que o portador de distúrbios de comunicação tivesse acesso a um atendimento de uma equipe, mas isto quase nunca é viável.

Estas são algumas das razões do porquê o estudo da ansiedade, sobretudo da apreensão de comunicação, interessa ao fonoaudiólogo. Tanto o terapeuta quanto o paciente tendem a ganhar com esta visão abrangente do problema. (Horwitz, 2001)


ASPECTOS DA ANSIEDADE:

A ansiedade é vista hoje como um complexo fenômeno de resposta de um ser humano a ameaças ou perigo, imaginário ou real. Apresenta três aspectos:

- Cognitivo (senso de desconforto oriundo de percepções negativas a respeito de um evento ou interação com uma pessoa).

- Fisiológico (medido por mudanças no batimento cardíaco, na respiração, nas respostas galvânicas da pele, temperatura do corpo, etc).


Comportamental (manifestado numa reação de "lutar ou fugir").


A reação a uma ameaça pode variar entre indivíduos e situações, desde um momentâneo desconforto até uma sensação de pânico. Para algumas pessoas, até uma remota possibilidade de serem chamadas a falar em público, pode levar a sentimentos de desamparo ou desespero.

Estes estados variam de indivíduo para indivíduo. Algumas pessoas vêem situações difíceis como desafios e lidam bem com elas. Outras reagem com intenso medo. Infelizmente, a mente não diferencia entre o medo real e o imaginário. Uma vez que o alarme seja disparado no SNC, o corpo reage. Na apreensão de comunicação, a ameaça não é física, mas ao sentido de identidade pessoal, de auto-estima.

A apreensão de comunicação pode ser considerada um tipo de fobia social. O DSM-IV define fobia social como "um medo persistente de uma ou mais situações em que a pessoa é exposta a possível escrutínio e teme que o que ela faça ou diga seja julgado por outros, causando humilhação e constrangimento”.

Apreensão de comunicação, especialmente o medo de falar em público, tem atraído a atenção de pesquisadores em psicologia, educação, negócios e lazer, porque é um problema muito comum.

Desde o conhecido "frio na barriga" até o sentimento de puro terror, a apreensão de comunicação pode afetar a função cognitiva de uma pessoa, o ato motor da fala e produzir vários estados fisiológicos como um aumento nos níveis de neurotransmissores como adrenalina, aumento da pressão arterial e queda da temperatura corporal. Sintomas respiratórios e cardiovasculares incluem aumento de batimentos cardíacos, rubor, padrões mais rápidos de respiração, tontura acompanhada de medo de desmaiar, tremor, fraqueza nas pernas, náusea, mãos úmidas.

É importante ressaltar que estes medos de comunicação nada têm a ver com a "coragem" de um indivíduo, que pode até arriscar-se em situações onde existe um perigo físico real. Um bombeiro que temia falar em público muito mais do que entrar num edifício em chamas, fez a seguinte declaração : "Eu não sabia que o sistema da fala era conectado com o trato urinário."

 Um mergulhador e salva-vidas relatou que preferia entrar um mar revolto a enfrentar um auditório "vivo".

Além dos sintomas físicos, a apreensão de comunicação pode ser acompanhada por pensamentos catastróficos. Frases como: - Eu não vou conseguir... vou desmaiar... todos aqueles olhos olhando para mim... Ilustram bem o fenômeno.

John Alback (1990), o organizador de um grupo de auto-ajuda para gagos, escreveu com humor sobre o medo da humilhação e constrangimento que ele sofreu quando tinha que falar a um grupo de pessoas:

"Quando eu soube que falar em público era a coisa que as pessoas mais temiam, fiquei muito surpreso. Pensei que isto fosse verdadeiro para pessoas como nós, que gaguejavam, não para pessoas em geral. Sempre achei que o medo de morrer encabeçaria a lista. Depois de ter refletido um pouco, entretanto, cheguei à conclusão de que a morte tem três vantagens sobre falar em público. Primeiro, você só vai morrer uma vez, e não há limite de vezes que você pode passar por idiota frente a um auditório. Segundo, a morte é o melhor jeito que conheço de poder se livrar de falar em público. E por último, depois que você morre, não precisa mais voltar até a sua cadeira, e se sentar”.(Citado por Horwitz, 2001).

O que nos interessa é o fato de que existe a tendência entre terapeutas e gagos de considerar o medo de falar em público como uma consequência da própria gagueira. Entretanto, como Schneier e Welkowitz mostraram (1996) muitos gagos também sofrem de “fobia social” e provavelmente também teriam medo de falar em público mesmo que não gaguejassem.

Pacientes relatam que seus medos, pensamentos negativos, percepções errôneas de si mesmas e dos outros estão na raiz de suas disfluências e causam quebras no controle da fala.

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METODOLOGIA PARA O TRATAMENTO:

A metodologia utilizada para o tratamento destas condições está fundamentada na teoria psicobiológica de Engel (1975) que reconhece a existência de fatores predisponentes (de origem genética e/ou neurológica), de fatores precipitantes (predominantemente ambientais) e fatores perpetuantes (incluindo medo e ansiedade) para o aparecimento da gagueira.
Para o atendimento do caso relatado nesta oportunidade, foi levado a efeito um programa que a autora denominaria de “Ryan modificado”, baseado na abordagem do condicionamento operante de Bruce Ryan (1975), com alguns acréscimos introduzidos por esta autora.
Esta abordagem é baseada no pressuposto de que a gagueira é um comportamento aprendido e que este pode ser desaprendido ou modificado suficientemente para capacitar a pessoa a falar com razoável fluência.
Os acréscimos introduzidos referem-se à inserção de procedimentos que visam trabalhar os sentimentos de frustração, raiva, medo, oriundos do próprio comportamento da gagueira, que incluem técnicas de relaxamento, visualização, a utilização de técnicas de biofeedback, e princípios da terapia cognitiva referidos por Moss (2001).
O programa de condicionamento operante de Ryan é composto por três fases: estabelecimento, transferência e manutenção. Na fase de estabelecimento, o objetivo é auxiliar o paciente a ter fluência na presença do terapeuta e em situações ideais de comunicação. Na fase de transferência, o objetivo é transferir esta fluência para outras situações, na presença de outras pessoas que não o terapeuta, em condições não tão ideais de comunicação. A fase de manutenção requer que a fluência seja conseguida em uma grande variedade de situações de comunicação, por um extenso período de tempo.

O programa é levado a efeito em três modalidades; leitura, monólogo e conversação.

Um dos princípios do programa de condicionamento operante é o fato de que o terapeuta deve cuidadosamente definir o comportamento a ser modificado. Ryan considera a “palavra gaguejada” uma unidade de comportamento. A palavra “luta” é utilizada para descrever comportamentos chamados por alguns autores de gagueira secundária, que inclui protusão de língua, e outros movimentos associados.
Outro princípio envolvido nesta programa é o fato de que o terapeuta precisa cuidadosamente identificar e contar (em termos numéricos) quão frequentemente os comportamentos a serem modificados ocorrem, e manter um registro de sua ocorrência. É através desta contagem precisa que é medida a frequência com que um comportamento acontece. Segundo Ryan, a contagem é crucial para o programa de condicionamento operante.
O terceiro princípio envolvido é o de que o terapeuta precisa definir, antes de começar o trabalho, um critério de proficiência para determinar quando o paciente pode passar para o próximo passo do programa.
O quarto princípio reza que o programa deve ser seguido em sua sequência apropriada. O quinto estabelece que o terapeuta precisa sistematicamente fornecer uma consequência (reforço ou punição) ao comportamento a ser modificado. O reforço é dado quando o paciente cumpre a tarefa de acordo com a proficiência estabelecida previamente, e passa para o estágio seguinte; a punição acontece quando o paciente não consegue cumprir e consequentemente tem que repetir o passo.
Ao mesmo tempo em que este programa foi sendo desenvolvido, outros procedimentos foram sendo trabalhados como técnicas de relaxamento, visualização e meditação. Pessoas que praticam exercícios diários de relaxamento e meditação percebem que conseguem lidar melhor com problemas (Moss, 2001).
A imaginação dirigida é um método de se usar deliberadamente a visualização para a modificação de pensamentos, sentimentos (físicos e emocionais) que tem sido usada para mudanças de comportamento a um nível profundo, tendo revertido com sucesso algumas doenças e auxiliado sobremaneira no tratamento de fobias sociais (Horwitz, 2001). Os exercícios de visualização propostos por esta autora nos casos de apreensão de comunicação incluem o uso da respiração inferior intercostal diafragmática, enquanto se visualiza uma imagem calma e relaxante.
Biofeedback é também especialmente útil em treinos de relaxamento. É um método de se ter mais consciência e controle sobre a mente e o corpo. Instrumentos de feedback são instrumentos eletrônicos destinados a monitorar a mudança no corpo humano e dar um feedback simultâneo ao usuário. Este se torna cônscio da mudança física e mental que está ocorrendo e controla esta mudança.
Os princípios de terapia cognitiva referidos por Moss (2001) têm como objetivo a modificação dos comportamentos de ansiedade, luta e fuga das situações de comunicação. Este autor sugere que se construa uma hierarquia de situações que provocam ansiedade, incluindo todas as situações que o paciente evita. Esta hierarquia então guia o paciente na mais efetiva forma de modificação de comportamento, chamada também de terapia de exposição, ou dessensibilização.

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RELATO DE UM CASO:

Carolina(*) tinha quinze anos quando procurou tratamento para gagueira. Apresentou-se como uma jovem tímida, a única filha de um casal de italianos, ambos os pais empresários de meia-idade bem-sucedidos e bem-falantes. Durante a primeira entrevista falou pouco, evitando contato ocular. Sua fala era caracterizada por bloqueios clônicos na emissão predominantemente das plosivas, acompanhados de desvio dos olhos para cima no momento do bloqueio. Descreveu-se como “tímida, nervosa, detalhista, e excessivamente organizada”. (sic) A terapeuta incluiria “bastante observadora e inteligente”.

Iniciou o tratamento seguindo os passos do programa de condicionamento operante de Ryan, descrito acima, sentindo-se muito à vontade com o programa de passos objetivos e bem-definidos sugeridos pelo autor. A terapeuta percebeu que a abordagem era bastante adequada à paciente, devido às características de organização e objetividade de Carolina.

Recebeu atendimento uma vez por semana durante um ano e nove meses, com algumas interrupções no período de férias escolares. Após este período, já em fase de manutenção, comparecia às sessões apenas uma vez por mês, até encerrar o tratamento com a idade de dezessete anos e quatro meses.

A fluência total foi alcançada, nas três modalidades propostas por Ryan: leitura, monólogo e conversação, trabalhadas em suas três fases: estabelecimento, transferência e manutenção. Na fase de estabelecimento, a paciente conseguiu obter fluência nas três modalidades acima, na presença do terapeuta. Na fase de transferência, esta fluência foi transferida para outras situações de fala, na presença de outras pessoas; na fase final, a fluência foi mantida num leque mais amplo de situações.

Como era obtida a fluência? Em primeiro lugar, foi estabelecida uma linha de base, onde todos os comportamentos a serem modificados foram descritos e contados, numa análise minuciosa, tanto qualitativa quanto quantitativa. Na etapa seguinte, identificação, a paciente foi levada a observar e perceber detalhadamente tudo o que fazia (por exemplo, pressão excessiva dos lábios ou introdução de interjeições) que resultasse num comportamento não desejado. Quando conseguisse identificar com 100% de eficácia todos estes comportamentos, poderia passar para a etapa seguinte. A segunda etapa, cancelamento, consistiu em parar imediatamente após a identificação de um comportamento inadequado (ex: luta). Seguiu-se a fase de modificação, onde a paciente foi solicitada a modificar o comportamento definido como não desejado. Na próxima etapa já se esperou fluência.

Estas etapas foram levadas a efeito, passo a passo, nas três modalidades referidas acima: leitura, monólogo e conversação.

C. parecia bastante satisfeita, dizendo-se apta a monitorar sua fala. Segundo suas próprias palavras: “O segredo é não lutar”.(sic)

Após este período de tratamento bem sucedido, Carolina recebeu alta.

Porém quase três anos depois, retornou com a seguinte queixa: “Não gaguejo mais, mas ainda tenho muita vergonha de falar”.

Nesta ocasião, com vinte anos de idade, cursando o segundo ano da Faculdade de Artes Plásticas, (após de ter abandonado o curso de Engenharia no final do primeiro ano) apresentava sintomas típicos de apreensão de comunicação. Sem absolutamente nenhum indício de bloqueios na fala, C. relatou que se sentia pouco à vontade na sala de aula, participava quase nada ou não participava em discussões em grupo (mesmo sabendo o que dizer, pois sempre foi ótima aluna) e tinha verdadeiro pavor diante da ideia de apresentar um seminário na frente da classe. Referiu ainda o fato de ter muito medo de que o professor não escutasse o seu “presente” na hora da chamada, pois tinha vergonha (sic) de falar alto. Pelo mesmo motivo não fazia perguntas durante as aulas pois temia não ser ouvida e ignorada. Relatou invejar as amigas por serem tão espontâneas e conseguirem se expressar “naturalmente”. (sic)

Ainda colocou o fato de ter iniciado dois tratamentos de psicoterapia, abandonando-os por falta de empatia com os terapeutas.

Solicitou então a volta do atendimento fonoaudiológico, declarando à terapeuta: “Você me ajudou a me livrar da gagueira, pode me ajudar com o medo de falar com as pessoas”.(sic)

 A fonoaudióloga que relata este caso é absolutamente honesta em admitir dois aspectos: primeiro, o fato de que nas longas conversas que se seguiram neste atendimento, em nenhum momento a antiga gagueira foi percebida ou relatada pela paciente; e em segundo, que a terapeuta teve dificuldade em aceitar o desafio de tratar a apreensão de comunicação per se.

Foi lembrado Bourne (1995, citado por Horwitz, 2001), que afirma que pessoas que mostram tendências perfeccionistas e têm excessiva necessidade de aprovação são mais propensas a apresentar problemas de ansiedade e temem falar em público.

Porém, aceito o desafio, a terapeuta solicitou que Carolina fizesse uma lista de situações consideradas as mais difíceis. Esta lista, em ordem crescente de dificuldade, foi assim apresentada:

- Tomar iniciativa para ler na aula de italiano;

- Recusar o oferecimento de uma vendedora insistente;

- Entrar em uma loja sofisticada;

- Olhar com insistência para um garoto numa festa;

- Conversar com garotos de sua idade;

- Responder em voz bem alta a chamada na classe;

- Falar com professores ou autoridades (em particular);

- Participar de uma discussão em grupo;

- Falar em público (dar um seminário);

- Fazer perguntas na classe.

Indagada do porquê o item “falar em público” era mais fácil do que “fazer perguntas na classe”, foi dito que no primeiro caso , ou seja, ao dar um seminário, os ouvintes já estavam cientes de sua presença, isto é, ela já esta à frente da classe e não precisaria chamar a atenção para sua pessoa, ao passo que no segundo caso, ela precisava fazer-se notar. Isto demonstra o quanto era difícil chamar a atenção para si.

TRATAMENTO:

Carolina foi ajudada a reconhecer o aspecto fóbico de sua dificuldade de fala e superar os aspectos físicos e cognitivos de seus medos. Para isto, tarefas (na terapia e fora dela) foram sendo executadas, tendo em vista a dessensibilização das situações temidas.

Mudanças fisiológicas:

Técnicas de relaxamento corporal foram introduzidas em terapia, e a paciente foi incentivada a praticá-las em casa diariamente.

Foi utilizado o Biofeedback Monitor, marca Micronta, aparelho destinado ao monitoramento dos níveis de tensão e estresse por meio da técnica de biofeedback.

 C. pôde perceber, através da utilização deste aparelho, como é possível controlar seus níveis de ansiedade frente a uma determinada situação.

Além destas práticas, C. aprendeu a meditar diariamente, em sessões de aproximadamente vinte minutos, todos os dias. Acredita-se que esta prática regular, a longo prazo, relaxa o corpo e traz inúmeros benefícios à saúde. Técnicas de visualização também foram ensinadas e praticadas.

Mudanças cognitivas:

C. aprendeu a examinar seus pensamentos negativos de ansiedade, que eram verbalizados como: “Sinto-me estanha, no meio daquela gente...” “Todo mundo reparando em mim...” “As pessoas percebendo que não paro de transpirar...” “Nunca vou conseguir contar uma piada para um grupo...”

Aprendeu também a corrigir os estes pensamentos distorcidos, respondendo às perguntas: Eu me considero realmente inferior às outras pessoas? Por quê? No que sou diferente dos outros?

 Além disso, a terapia cognitiva referida por Moss (2001) identifica e confronta medos específicos que inibem o paciente e fazem com que este evite confrontar-se com situações temidas. Ex: O que de ruim pode acontecer quando entro numa loja sofisticada? Se a vendedora não for atenciosa, a falta é dela ou minha? Se ela me olhar de cima a baixo, qual é o problema? O dever dela é me avaliar ou me servir? O que me importa a avaliação dela?

A terapia cognitiva também abordou estes típicos padrões cognitivos: a ameaça em situações sociais e a expectativa de ser afrontada em interações sociais. No caso de C., a terapeuta discutiu as típicas expectativas negativas e sugeriu modificações destas expectativas.

Mudanças comportamentais:

Em primeiro lugar, estas expectativas foram trabalhadas em forma de dramatizações. C. sentia-se constrangida mesmo em simular uma situação como perguntar o preço de um vestido exposto numa vitrine. A comunicação gestual também foi trabalhada. Em determinado momento, C. admitiu: “Nem pareço filha de italianos. Nem mexo minhas mãos quando falo”.

 A paciente foi solicitada também a expressar sentimentos de alegria, tristeza, raiva, admiração e indiferença apenas por meio de mímica facial, e num segundo momento, através de uma única palavra. C. identificou a dificuldade em fazê-lo, expressando: - “Nossa, como sou travada!”.

Um dos comentários de C. foi o quanto era difícil, para ela, “ser ela mesma”. Como havia um conflito entre “impressionar” e simplesmente, “expressar”.

O principal objetivo da modificação de comportamento no caso da ansiedade de comunicação foi restaurar os comportamentos sociais normais e evitar fugas de situações de comunicação. Utilizou-se como instrumento a lista de situações temidas elaboradas pela paciente. Segundo Moss (2001) uma hierarquia é como uma escada. Seres humanos não podem combater suas situações temidas todas de uma vez. Se as situações carregadas de ansiedade forem abordadas passo a passo, degrau por degrau, em ordem crescente de dificuldade, o progresso será possível e o objetivo final será cumprido.

A lista hierárquica de Carolina não estava completa. Sugerimos que acrescentasse outros itens, mais fáceis, que causavam um certo grau de ansiedade de comunicação mas não a ponto de evitá-los por completo.

Ela incluiu:

- Perguntar as horas:

- Pedir um lanche;

- Pedir para trocar um dinheiro;

- Fazer um pagamento;

- Entrar numa loja popular e solicitar uma mercadoria;

- Pedir uma informação na rua.

A hierarquia levou então a paciente ao que se chama em terapia de exposição, ou dessensibilização. Carolina foi levada a subir sua escada, degrau por degrau, enfrentando em primeiro lugar as situações menos temidas, que estavam no começo da lista, até as mais difíceis. Habilidades de relaxamento foram usadas para se lidar com a ansiedade, à medida que novas situações foram sendo confrontadas

A abordagem permitiu à paciente acessar várias situações e atividades de vida diária e reforçou a experiência pessoal contra a ansiedade. À medida que foi subindo na escala hierárquica, cada situação listada foi sendo dessensibilizada, isto é, não engatilhou mais uma resposta de ansiedade. O que antes era traumático, passou a ser uma experiência rotineira e banal.

Os procedimentos foram se mostrando eficazes, pois os resultados não tardaram a aparecer: tímidos progressos nas primeiras tentativas, para culminar em realizações nunca sonhadas pela paciente.

Este processo objetivou, além de dessensibilizar as ansiedades que foram condicionadas por anos, também instalar sentimentos de confiança por meio de repetidas experiências de sucesso.

CONCLUSÃO:

Este relato de caso mostrou como a ansiedade de comunicação pode estar oculta, ultrapassando os limites da própria gagueira. Não basta não gaguejar mais: há algo que pode se esconder por de trás da aparente fluência.

A apreensão de comunicação é um problema psicofísico de grande importância, que tem sido pouco estudado ou até negligenciado por parte dos especialistas em distúrbios de comunicação. A compreensão e o estudo desta intrincada relação, que se convencionou chamar de conexão mente-corpo em geral, e ansiedade de comunicação em particular, são de grande valia, tanto para o paciente, quanto para o terapeuta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE APREENSÃO DE COMUNICAÇÃO:

Pessoas que tem medo de falar em público precisam entender que não estão sozinhas, pois este é um problema comum e universal. Além disto, é fundamental a compreensão da natureza trans pessoal do estresse, que envolve percepções de aceitação ou rejeição num contexto social que pode acarretar uma resposta de estresse, ou seja , uma resposta de adaptação do corpo ao medo.

Pessoas que falam em público devem ter a consciência de que um pequeno aumento de tensão frente a um desafio é normal, e que uma boa apresentação oral requer conhecimento a respeito do assunto a ser apresentado e um certo preparo. É importante também que se entenda como os processos de pensamento são encadeados na linguagem, a fim de evitar perder-se no meio da exposição.

E finalmente, estas pessoas devem descartar quaisquer percepções errôneas a respeito de si mesmas e seus pensamentos distorcidos e trabalhar em sua auto-estima, confiando em sua capacidade de realização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  

- Alback, J. To say what is ours: the best ten years of letting go; San Francisco: National Stuttering Project, 1990.

- Bourne, E.J. The Anxiety and Phobia Workbook, Oakland, CA. New Harlinger Publications, Inc, 1995.

- Engel, D. Stuttering is a family affair, University of North Dakota, 1975.

- Horwitz, B. Communication Apprehension – Origins and Management, Singular, Thompson Learning, New York, 2001.

- Moss, D. Psychological Perspectives of Anxiety Disorders, in Horwitz, B. , Communication Apprehension, Singular, Thompson Learning, New York, 2001.

- Ryan, B. An Illustration of Operant Conditioning Therapy for Stuttering, Speech Foundation of America, Memphis, Tennessee, 1975.

- Schneier, F. e Welkowitz, L. The Hidden Face of Shyness, New York, Avon Books, 1996.

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(*) O nome foi alterado para preservar a identidade da paciente.

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